Oferecemos aos nossos internautas entrevista exclusiva com Ayrton Mugnaini Jr., jornalista, compositor, escritor, tradutor,
pesquisador de música popular, blogueiro e desconfiamos também banqueiro enrustido nas horas vagas aonde sabiamente pratica o habito esportivo de contar milhares de notas de 100 dolares, dai seu fisico atlético torneado equilibrando milimetricamente com seu cérebro enciclopédico de fazer inveja a qualquer Barsa. Brincadeiras à parte Ayrton já se insere com certeza entre os brasileiros que fazem a diferença, produzindo, pesquisando e fazendo cultura brasileira ,apesar de pouco e difícil incentivo para quem teima em militar nessa área aonde quase sempre ganha a imposição do que o sistema acha que você deve ouvir, ler ou assistir. Mas isso já é outra história.E pode estar mudando com a internet.
1- Ayrton... eu costumava
dizer 15 anos atrás que vc era multimidia antes desta palavra ser usada, vc
fazia (e faz) um monte de coisas : compor, tocar, escrever, pesquisar, traduzir,
radialista, blogueiro, artista, humorista, etc, etc e as vezes ainda vende
discos e livros em feirinhas para colecionadores – dessas coisas o que vc faz
com mais paixão, apesar de não conseguir por temperamento fazer uma coisa
só?
Com todo o respeito, abomino o
anglicismo “multimídia”, prefiro dizer que sou multimeios (ri). Todas estas
atividades têm a ver com duas coisas: música e texto. E sempre digo que as
cosias que mais gosto de fazer são ouvir música, compor música, tocar música,
ler sobre música, escrever sobre música e fazer alguma coisa aprazível enquanto
ouço música. Mas gosto também de elaborar textos e traduções e fazer trocadilhos
e piadinhas “cabeça”.
2- Qual seu maior sucesso
como compositor?
Depende do que tu consideras
sucesso. Concordo com a frase de Jackson do Pandeiro: “Eu fiz muito sucesso,
sucesso que eu digo não é tocar muito no rádio, e sim todo mundo conhecer tua
obra”. Por esse parâmetro, acho que meus maiores sucessos como compositor são
“Eu Amo Esse Homem” (parceria com Wilson Rocha e Silva), “Acalanto”
(idem),“Maneta” e “Conformática”, canções que muita gente canta espontaneamente
em festas e shows, sem necessidade de empurrão ou jabá de grande gravadora ou
emissora de televisão.
3- Quando pergunto que estilo
de musica vc gosta você me diz “ Gosto de música!” Mas todo mundo gosta mais de
um estilo do que de outros. Que tipo de música vc ouve mais? Poderia citar
alguns artistas que curte?
Eu sempre digo que coleciono
música, e não discos, e estou com Bezerra da Silva, famoso como sambista, mas
quando o entrevistei ele me disse que gostava de tocar canções dos Beatles no
piano, procurando as melodias com um dedo dó, e me resumiu: “Música é dó, ré, mi
fá, sol, lá, si, o resto é detalhe”. Pessoalmente, sou contra sectarismos e
monocultura, roqueiro ouvir só rock, sambista ouvir só samba e assim por diante,
sem ouvir outros ritmos e gêneros para ver se gosta ou não. Eu gosto de junções
“nada a ver” que no fim têm tudo a ver. Atualmente sou produtor independente na
USP FM, com o programa Rádio Matraca, e a emissora já tem um clima
propício, outro dia ouvi na programação normal um frevo de Moraes Moreira
seguido de “Killing me Softly” com Roberta Flack, mais recentemente ticaram “O
Namorado Da Viúva” de Jorge Ben Jor e em seguida “Stand By Me” com John Lennon,
achei maravilhoso. E no Rádio Matraca procuramos recriar o ecletismo e
democracia do rádio nos anos 1950 a 1970, quando num mesmo dia se ouvia Waldick
Soriano, Black Sabbath, Chico Buarque, “Farofa-Fá”, “Juanita Banana”, bastou
fazer sucesso que tocava, e todos os gostos eram atendidos. Pessoalmente, o que
eu mais gosto de ouvir é samba em geral, rock com melodia e, antes de dormir,
música renascentista e pop pré-rock, dos anos 1890 a 1950. Alguns artistas que
ouço muito Chico Buarque, Mutantes, os Kinks, Paul McCartney solo – há quem o
chame de “medíocre”, opinião que respeito, mas quisera eu ser medíocre assim – ,
Adoniran, Gershwin e gente mais nova como Karina Buhr e Socorro Lira. Por sinal,
para quem vive reclamando de que música brasileira nova não presta ou nem
existe, recomendo dar uma procurada no Clube Caiubi de Compositores, a maior
rede virtual de compositores do Brasil, sou integrante desde a fundação em 2002,
já são cerca de sete mil sócios com filiais pelo mundo
afora.
4- Quando que apareceu aquele
toque de que seu negócio era mexer com cultura?
Logo que nasci (ri). Tentei cursar
Engenharia Elétrica achando que era necessário para ser engenheiro de gravações
de som, mas desde antes mexi com cultura, fazendo jornaizinhos e fanzines desde
os dez anos de idade, a princípio um único exemplar manuscrito, daí mimeógrafo a
álcool, daí mimeógrafo a tinta, daí Xerox, daí offset, e quando percebi estava
diplomado em jornalismo e escrevendo em publicações de diversos portes, até
virtuais, posso até dizer que escrevi na primeira publicação virtual brasileira
sobre música, a Brazilian Music Uptodate, foi uma aventura divertida,
pelo que sei a revista continua no ar, embora com menos atualizações do que
merece.
5- Qual o primeiro disco que
vc comprou?
Os primeiros que comprei entrando
numa loja sozinho foram três compactos, “Eu Amo Tanto Tanto” com Moacyr Franco,
“A Chi” com Fausto Leali e “Ob-La-Di, Ob-La-Da” dos Beatles. Foi no começo de
agosto de 1970, logo antes de eu completar 13 anos, eu já morava em Sorocaba,
onde morei de 1969 a 1979. Eu queria “Ob-La-Di, Ob-La-Da” com quem quer que
fosse, eu conhecia com a banda Marmalade, e a primeira gravação que achei à
venda em compacto foi a dos Beatles, “ah, pode ser essa
mesmo”.
6- em quais bandas vc já
tocou e quais instrumentos?
Ah, desde 1971 eu sou o chamado
“conjunteiro”, como uma pessoa que namora várias outras ao mesmo tempo e é fiel
a todas (ri). Meus primeiros conjuntos ou grupos (ainda não se chamavam
“bandas”) foram em Sorocaba, as primeiras “bandas” não passaram de reuniões
caseiras, ensaios mais ou menos para valer só a partir de 1974, meu primeiro
ensaio com contrabaixo elétrico foi em 1977, antes era só guitarras, violões e
bateria, os grupos eram The Paranoic Market Boys, Trânsito Maluco de Marte,
Repolho Nervoso, Arrebalde, e ainda em Sorocaba produzi demos de um grupo de
amigos, o Koyzahara, e enquanto isso, quando estudei em Lins, toquei com muita
gente por lá, mal voltei a São Paulo já formei uma dupla com o Roberto
Kirsinger, dono do sebo Grilo Falante, ele tocava guitarra e arranhava vioino,
fizemos algumas gravações que ainda vou digitalizar, daí fui indo de banda em
banda, toquei com Eddy Teddy na British Beat, daí no Verminose com Kid Vinil,
daí entrei para o Língua de Trapo e montei o Galileu, primeiro grupo que liderei
para valer... Depois voltei para o Língua como compositor, onde fiquei até
quando o grupo parou em 1987, e voltei para o Verminose, já renomeado Magazine,
gravamos o segundo CD do grupo... Outros grupos onde toquei foram o Gunsmoke,
Time Express e Peppermint, todos com Bogô, dos Beatniks, o Peppermint incluía
também Raphael d’O Seis, Suely Chagas (dos Kanticus), Susi Salum (que também
cantou com Suely e Rita na adolescência), Vicente Scopacasa (que tocou comigo no
British Beat)... Tive vários grupos também com a cantora e compositora Carmen
Flores: Ikebana, Carmen, Ayrton & Muito Mais... Outro foi o Zimmermen, trio
que só tocava Bob Dylan,a propósito do livro sobre ele do qual participei, A
Estrada Revisitada, organizado por Isabel Bing... Durante três anos tive a banda
Reflexo, com o jornalista Fabian Chacur... Fui baterista da banda Dumbos,
liderada pelas jornalistas e tradutoras Deborah Freire e Rosa Freitag... Toquei
na banda do gaitista e bluesman Fernando Naylor, “The Doctor”... Tenho a
distinção de ser membro honorário de Luiz Octavio & Os Quatro Olho e Kim
Kehl e Os Kurandeiros....e atualmente estou com quatro bandas: A Banda, liderada
pelo tecladista Tato Fischer; a Liga Leve, de MPB e jazz, liderada pela cantora
Thelma Chan; e duas onde sou o líder, o TONQ, de música e humor,e a ARBanda, a
banda do Arquivo do Rock Brasileiro, projeto do qual sou o curador e o maior já
realizado no Brasil sobre o assunto. No comecinho eu tocava guitarra, daí
aconteceu o mesmo que com Paul McCartney, virei contrabaixista porque o cargo
vagou e ninguém mais preencheu, e hoje em dia nas bandas quase sempre toco
contrabaixo mesmo. Enfim, dá para fazer uma árvore como aquelas do Pete Frame, e
bem frondosa.
7 = O que me diz sobre
família, filhos.....
Família é a segunda melhor coisa
que existe, não no sentido burguês de formalidades e obrigações como descreve a
canção dos Titãs, mas no sentido de afinidade, afeto, companheirismo. E a
primeira melhor coisa é ter filhos, o que eu já desconfiava e confirmei quando
tive o meu, que por sinal vai fazer dez anos de idade e é um companheirão, somos
bem Bobi Pai e Bobi Filho, e ele tem toda a atenção e carinho das avós, tios,
tias, primos, primas, família para mim é isso.
8= fiz essa pergunta também
ao Assis, nosso colega em comum : Qual a importância da cultura genuinamente
brasileira para o nosso pais?
É a mesma importância do oxigênio
e da água potável. A maior distinção entre os seres humanos e os animais é saber
raciocinar, ler, escrever, ter noção de tempo, criar ciência e folclore. O que
distingue um povo, um país é justamente sua cultura, sua identidade cultural. O
Brasil é um dos países de cultura e arte mais ricas, não é patriotada, é facto,
e precisa aprender a assimilar influências estrangeiras sem simples macaqueação.
O Clube Caiubi é um exemplo de iniciativa no sentido de romper o círculo vicioso
das gravadoras e editoras.
9 – E a juventude atual.... é
mais alienada do que a nossa geração?
Acho que todas as pessoas jovens
têm uma fase em que não querem saber se o governo é direita ou esquerda nem se
alguém vai lançar bomba atômica, querem mais é viver a vida e aproveitar o
momento, seguir menos os neurônios que os hormônios, querem namorar, matar aula,
andar de carro, ir ao cinema, dançar ou tocar rock, bossa, pagode ou electro,
reclamar do pai ou mãe que não entendem e ficam impondo regras. Acho que a
juventude de hoje está menos obscurecida que a nossa, não há censura ou
repressão como as conhecemos, está tudo mais às claras, já se sabe que quanto
mais alto menos existe direita ou esquerda, como diz Sergio Dias, “o poder é a
grande droga”, tanto faz ser Lula como C*ll** (desculpe meu pudor em usar baixo
calão).
10 = Você coleciona as coisas
ou somente tem os materiais para pesquisa?
“Colecionar as coisas” parece o
dialeto nordestino, “agora eu vou coisar o coiso” (ri). Atualmente, coleciono
apenas o material que tem muito valor histórico ou pessoal, como discos, livros
e fotos de Raul Seixas, Ray Davies, Dorival Caymmi e outros autografados com
dedicatória para mim, o resto mantenho para pesquisa e prova de descobertas e
teses. E, como coleciono música e não discos, muitos vinis e 78s eu já substituí
por CDs e mp3s, obviamente quanto mais definição melhor, o ideal é
320.
11 – Tem religião? Tem
fé?
Sou agnóstico. Acredito piamente
em energia positiva e negativa e no poder das palavras, atos e pensamentos. Sou
meio como diz a canção de Gil com os Paralamas, tenho fé mas não sei em quê. Por
sinal, fui católico praticante até os 20 anos, minhas primeiras aparições
trocando violão e guitarra foram em missas e minha primeira vitória em festival
foi como autor da melodia do cinqüentenário da diocese de Lins em 1977. Para
resumir, música é meu Deus, minha religião e minha fé.
12- Chá ou
café?
Ambos, conforme a hora, café de
manhã – descafeinado - e chá à noite, qualquer um exceto
preto.
.
13- Ayrton : São Paulo tem
jeito ou seremos sufocados no caos urbano....transito, barulho, poluição... sem
crescimento sustentável...Como se sente com relação ao meio ambiente. “o homem é
produto do meio “ já disse um filosofo – o que vai sobrar para nossos filhos e
netos?
Jeito sempre tem, eu até acho que
no geral está melhorando, aos poucos mas está. O simples facto de se descobrir e
admitir problemas sérios como inundações e cracolândia já é um grande passo para
se resolvê-los.
14 – Já escreveu para
teatro?
No começo dos anos 1980 eu e o
Galileu tocamos numa montagem da EAD da USP para uma peça do saudoso Paulo
Yutaka, O Olho Da Rua, eu fiz as melodias, e foi bem divertido. Nos anos
1990 compus uma “ópera popular”, na linha da Ópera do Malandro e Porgy
& Bess, estou burilando para ver se gravo e enceno logo. Também nos anos
1990 um pessoal me contratou para musicar uma peça que tinha tudo para fazer
sucesso, figurinos de Paulo Caruso, elenco ligado ao Língua, daí a pessoa que
lidava com a produção sumiu e não pagou ninguém, daí que ficou tudo na gaveta,
mas desde então venho lançando as melodias em diversas formas, como “A Grande
Decisão” (meu protesto contra o vandalismo que usa o futebol como desculpa), “Je
T’Aime... Comme Ci Comem Ça” (minha “Je T’Aime Moi Non Plus”), “Bossa Francesa”
(cuja letra pedi a Léo Nogueira, um dos letristas mais ativos do Clube Caiubi de
Compositores).
15- Qual seu lema ? Cair do
cavalo e continuar andando?
Esse e outros correlatos, como
“Cair sete vezes e levantar-se oito” e “Viver bem é a melhor vingança”. E um dos
melhores conselhos que já recebi é também o mais conciso:
“Produza!”
16- E política.. você se
diria o que? – Hoje está melhor no geral do que antes do Lula?
Acho que atualmente está menos
pior, o povo está um pouco mais esclarecido e um pouco menos passivo, menos
preguiçoso, menos esperançoso de que um paizão ou mãezona resolva tudo pro
mágica sem a participação do povo, como a fábula dos bichos que não querem
ajudar a fazer o bolo, mas ajudar a comer eles querem
17- Quantos livros você já
escreveu? Qual vendeu mais? (Tenho certeza de que o que fala do Raul foi um
deles)
Já estou na casa dos 20 livros
publicados. Quanto a vendagens não tenho dados, mas certamente o sobre Raul foi
um dos campeões.
18= Você critica as coisas
ruins ou prefere elogiar o que é bom? Digo isso porque vários coleguinhas
jornalistas perdem páginas para criticar, meter o pau – pessoalmente acho isso
degradante, como uma critica de pagina inteira só metendo criticas negativas
para o Oswaldo Montenegro que li uma vez
Prefiro ser positivo, enfatizando
o que é bom e apontando erros ou falhas sem agressão. Cada pessoa escolhe a
imagem que quer ter. Aprendi que muitas pessoas que exercem crítica musical
encaram o ofício como pugilistas, cujo talento e competência são medidas pelo
dano que elas infligem a outras pessoas. E não considero essas pessoas
“coleguinhas”, “colegonas” ou “colegões”, embora sigam a mesma profissão que eu
e eu deseje boa sorte a elas, sou amigo até de meus inimigos (ri); como se diz,
o mal se paga com o bem.
19 – Quais seus projetos
artísticos para o futuro? Novos livros, novas músicas virão? Algum em
andamento?
Sei que meu forte é criar,
compondo e escrevendo, e estou com vários livros e canções em andamento. Meu
novo CD está prestes a ser lançado enquanto escrevo estas linhas, chamado
Lados-E, porque, como estou moderno, quase todas as canções foram
lançadas eletronicamente, em listas de discussão, blogs, redes sociais ou
páginas diversas. E estou terminando um livro sobre rock brasileiro. Enfim,
compus quase cem canções agora em 2011, e a intenção é produzir ainda mais em
2012.
20 – Deixamos espaço agora
para você dizer o que quiser... inclusive para fazer alguma pergunta prá
gente
“O que quiser”. Pronto, eu já
disse. (ri.) Falei tanto aí em cima que nem tenho muito a acrescentar por ora.
Quanto à pergunta, fui editor do famoso e ilustre Informativo Cultural
Ventania, e pergunto: quando ele volta, inclusive virtual? Sempre temos o
que dizer e haveremos de ter como dizer também. Falei bonito? Mais uma pergunta
(ri). Agradeço à Ventania pelo espaço e estamos sempre aí!
NOSSA RESPOSTA : Sobre o Informativo Cultural Ventania no formato impresso possivelmente não voltará mais, mas de certa forma estaremos transformando este blog numa espécie de Informativo Cultural virtual com dicas, matérias, entrevistas, videos e imagens interessantes para o deleite de nossos amigos e clientes e esperamos contar com o polivalente Ayrton para a realização dessas idéias com suas matérias e pesquisas.
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